Uma vida dedicada ao amor pela natureza
Reginaldo Vasconcelos tem sido uma das figuras centrais na orquidofilia brasileira, principalmente no que se refere às descobertas de novas espécies na Região Leste de Minas Gerais e na disseminação de toda gama de conhecimentos que essas descobertas implicam. Esse mineiro de Governador Valadares é responsável por trazer ao conhecimento do mundo orquidófilo algumas dezenas de novas espécies de orquídeas e de bromélias, é colaborador frequente com artigos para a Revista da AOSP e de outras publicações do segmento e também realiza palestras sobre o tema das orquídeas em seu hábitat. Para quem já teve a feliz oportunidade de assistir às suas palestras ou conversar com ele pessoalmente, não poderá negar que a orquidofilia em sua vida é como um verdadeiro sacerdócio, tamanho é o amor e a devoção que suas apresentações demonstram.
Convidado a conceder esta entrevista ao Clube do Orquidófilo, Reginaldo Vasconcelos se mostrou prontamente muito interessado no convite e respondeu às perguntas de maneira bastante agradável e inteligente. Os mais atentos à leitura ainda poderão perceber que o entrevistado discorre sobre assuntos complexos sem deixar de lado certo “gosto” pela simplicidade da fala mineira com ares de prosa à beira do fogão a lenha com direito ao cafezinho passado na hora. E essa é sem dúvida uma de suas principais convicções na orquidofilia, que o conhecimento seja repartido entre as pessoas de forma compreensível, para que todos tenham oportunidade de aprender democraticamente.
Na entrevista que segue, Reginaldo fala sobre suas experiências com as orquídeas na infância, seu interesse e suas descobertas nas expedições aos hábitats e ainda opina em assuntos relacionados a temas polêmicos no meio orquidófilo como o melhoramento de espécies e os critérios de julgamento praticados nas exposições de orquídeas no Brasil. Oportuna e necessária, essa entrevista tem principalmente a finalidade de registrar formalmente e trazer ao conhecimento de nossos leitores o papel importantíssimo que esse pesquisador tem desempenhado em prol da orquidofilia brasileira.
Boa leitura!
André Merez
CLUBE DO ORQUIDÓFILO: Fale sobre sua iniciação na orquidofilia. De que maneira se deu seu interesse por essa família botânica? Houve algum episódio em particular que fosse o causador desse interesse?
REGINALDO VASCONCELOS: Desde criança eu sempre tive envolvimento com as plantas, me lembro de que ficava colhendo flores e folhas por onde passava e ficava observando as estruturas, as cores e o perfume das plantas. Tudo me chamava atenção no mundo vegetal e eu sempre tive muita curiosidade de saber como as plantas cresciam, se reproduziam e também sobre a importância desses vegetais no mundo. Mas houve um momento, quando eu tinha 9 anos, que eu me deparei com uma orquídea numa árvore, era um Dendrobium nobile que estava em uma Mangueira. Fiquei tão admirado e intrigado com aquela situação que em minha cabeça foram surgindo muitas dúvidas sobre aquela planta. Como ela conseguia viver fixada em uma árvore sem terra? Ela prejudicava a mangueira? Como as raízes da planta se fixavam ali? Dai por diante eu comecei a procurar informações sobre as orquídeas e até hoje tenho muita coisa a aprender sobre elas.
CLUBE DO ORQUIDÓFILO: Existe alguma pessoa em particular que tenha o influenciado diretamente para despertar seu interesse pelas orquídeas. Como aconteceu?
REGINALDO VASCONCELOS: No caminho das nossas vidas muitas pessoas vão surgindo e na minha vida orquidófila não foi diferente. No início do meu envolvimento com as orquídeas eu tive dificuldade de obter informações sobre elas; teve uma fase que eu ajudava na manutenção de uma floricultura só para ter acesso às revistas e livros de plantas que existiam no estabelecimento (fui até reprovado na escola porque matei mais de mês de aula só para ficar na floricultura), minhas primeiras informações sobre orquídeas eu adquiri desse modo.
Depois conheci duas senhoras aqui em minha cidade, dona Célia Miranda Chaves Correa e dona Gilda Espindola que já tinham coleção e eu, literalmente, perturbava a vida delas só para aprender mais sobre as orquídeas e ficar em contato com as plantas. Naquela época não existiam muitas possibilidades de comprar plantas e poucas pessoas tinham condições para isso, pois as orquídeas eram muito caras. Esse contato com essas senhoras e suas coleções de me fez aprender muito, especialmente sobre o cultivo. Eu as ajudava nos tratos das plantas, fazia plantio, aplicava adubo, limpeza do orquidário... é assim que se aprende, praticando.
CLUBE DO ORQUIDÓFILO: Qual é a proporção da importância que o cultivo e o estudo das orquídeas têm em sua vida? O que essa paixão representa pra você?
REGINALDO VASCONCELOS: Simplesmente eu não consigo me imaginar sem estar envolvido com as orquídeas e com o meio orquidófilo. Desde cedo, como falei antes, eu tenho esse fascínio pelas orquídeas e minha vontade de estar “fazendo orquidofilia” é cada vez maior. As orquídeas me trazem satisfação, prazer, alegria e conquistas, isso é algo que eu acredito que todas as pessoas desejam na vida. Minha sorte é que eu soube direcionar e fazer o meu caminho no mundo das orquídeas, sinto muito prazer e alegria em falar sobre elas e aprender cada vez mais.
Hoffmanseggella alvarenguensis em seu hábiat I Foto: Reginaldo Vasconcelos |
CLUBE DO ORQUIDÓFILO: Sua carreira na orquidofilia é principalmente reconhecida por suas expedições nos hábitats e pelas diversas descobertas de novas espécies. Fale sobre esse trabalho. Quantas e quais espécies já foram de sua contribuição?
REGINALDO VASCONCELOS: Logo quando eu comecei a estudar as orquídeas despertou em mim um sonho, esse sonho era de encontrar, ver uma orquídea que ninguém nunca tinha visto antes e poder mostrar essa orquídea para as outras pessoas. É tão bom ver uma orquídea, agora imagina ver uma orquídea que ninguém nunca viu antes? Antes eu imaginava que esse sonho era algo que nunca poderia se tornar realidade, mas na medida em que o conhecimento se expande muitas possibilidades aparecem.
Temos a grande sorte de viver num país lindo, rico em recursos naturais e de vida! Depois de certo tempo eu passei a fazer visitas em habitats aqui na minha região, o leste de Minas Gerais e, apesar de muito ter sido destruído pela ação do homem, ainda existem locais onde a biodiversidade está pouco comprometida e nesses locais é que ainda existem chances de se encontrar espécies novas. Essas expedições possibilitaram um maior conhecimento das espécies que existem por aqui e pode-se tranquilamente afirmar que não são poucas, muitas delas ainda nem foram descobertas e na medida em que essas novas espécies foram aparecendo, a necessidade de estudar esses ambientes só aumentou.
Considero que esse trabalho de conhecimento dos habitats é importantíssimo e urgente, já que essas espécies correm risco de desaparecer sem serem conhecidas e estudadas. Felizmente encontrei pessoas que me ajudam no trabalho de estudo e descrição dessas novas espécies, pessoas que estão seriamente envolvidas e comprometidas com o estudo da nossa flora. Agradeço especialmente ao Marcos A. Campacci por se dedicar a apreciar minhas espécies de orquídeas e ao Elton M.C Leme, especialista em bromélias que também trabalha comigo. Essas são algumas espécies que ajudei na descoberta:
Orquídeas: Alatiglossum medinense, Anacheilium itabirinhense, Bulbophyllum reginaldoi, Bulbophyllum pitengoense, Catasetum deusvandoi, Coppensia vasconcelosiana, Dryadella ataleiensis, Dryadella krenakiana, Encyclia oliveirana, Encyclia xceliamirandae, Encyclia xjezuinae, Hoffmannseggella alvarenguensis, Hoffmannseggella campaccii, Hoffmannseggella guanhaensis, Hoffmannseggella nevesii, Hoffmannseggella vasconcelosiana, Pseudolaelia aromatica, Pseudolaelia ataleiensis, Pseudolaelia pitengoensis, Pseudolaelia vasconcelosiana.
Bromélias: Aechmea timida, Alcantarea lanceopetala, Alcantarea nana, Alcantarea occulta, Alcantarea vasconcelosiana, Orthophytum roseolilacinum, Orthophytum vasconcelosianum, Tillandsia castelensis, Tillandsia renateehlersiae, Vriesea rosulata, Vriesea sanctaparecidae.
Serra do Pitengo - MG I Foto: Reginaldo Vasconcelos |
CLUBE DO ORQUIDÓFILO: Conhecer para preservar é uma máxima relativamente difundida entre os ambientalistas. Qual mentalidade você considera que seja importante se desenvolver no meio orquidófilo para fazer jus a essa máxima? Você acha que a orquidofilia no Brasil tem empreendido ações efetivas para essa finalidade?
REGINALDO VASCONCELOS: Entendo que sem conhecimento não conseguimos transformar nada. Não acredito que na orquidofilia esteja faltando conhecimento, o que na verdade está faltando é a disseminação do conhecimento. Da mesma forma que existem muitas pessoas que entendem bem do cultivo de orquídeas, outras entendem dos habitats, das questões relacionadas à nomenclatura e assim por diante. Deve se deixar claro que muitas pessoas se especializam em determinadas áreas do mundo orquidófilo e muitas vezes só dominam aquilo, o que falta é esse conhecimento circular entre as pessoas que gostam de orquídeas, que esse conhecimento seja discutido por todos e de forma respeitosa e democrática, que possibilite uma agregação de saberes que venha somar e não dividir.
Existe atualmente muita superficialidade nas informações, me parece que o imediatismo tem feito com que a maioria dos cultivadores de orquídeas cometa erros. É visível e urgente a necessidade de informações mais coerentes no meio orquidófilo e acima de tudo, que as pessoas busquem informações mais seguras, estudando sobre as orquídeas. No Brasil a orquidofilia teve alguns pontos que melhoraram e outros que pioraram. O acesso às plantas, por exemplo, melhorou muito e isso também aumentou a carência de informações.
Muitas espécies são reproduzidas e vendidas por todo lado e as pessoas que compram mal sabem do que se trata e como cuidar daquela orquídea. Aqui no Brasil temos muito que melhorar, temos em nosso território uma porcentagem grande das espécies e grandes produtores, o que falta é a cultura orquidófila sair desse estágio só de consumo e valorizar também o estudo e a pesquisa.
CLUBE DO ORQUIDÓFILO: Justamente por ter a oportunidade de visitar muitos hábitats e ter contato com os aspectos morfológicos das plantas nativas e também conhecendo os aprimoramentos a que muitas plantas têm sido submetidas em laboratórios nas últimas décadas, podemos afirmar que esses aprimoramentos estejam descaracterizando as formas originais das espécies? Qual sua opinião a respeito disso?
REGINALDO VASCONCELOS: As pessoas sempre criaram e ditaram padrões de beleza e no mundo das orquídeas isso se consolidou; tudo voltado para o viés comercial. Antigamente os orquidófilos iam às nuvens quando eram encontradas variedades na natureza, especialmente cores que se diferenciavam do padrão das espécies. Hoje em dia os cultivadores estão muito exigentes com a simetria das flores e os produtores, querendo atender essa exigência e valorizar seus produtos logicamente, passaram a desenvolver plantas com tais “qualidades”.
Na natureza as orquídeas são polinizadas aleatoriamente, penso que a percepção dos insetos seja muito maior do que nossa, quando eles vão ao encontro das flores das orquídeas, pois vários sentidos são despertados nos insetos quando são atraídos por elas, esses sentidos foram estabelecidos devido ao contato de milhares de anos entre esses seres.
O homem criou as orquídeas híbridas para atender certos padrões que os atraem, até ai tudo bem. Mas depois foram as espécies que passaram a ser modificadas partindo da elaboração de padrões estéticos criados por nós. Uma Cattleya labiata tem que ser “redonda”, uma Cattleya walkeriana tem que ser “redonda” e por ai vai.... Questiono-me, até onde vai chegar isso? Imagino-me daqui a 40 anos em uma exposição qualquer onde serão expostas muitas walkerianas ou labiatas “melhoradas” e umas poucas da natureza e as pessoas se preguntando: Como? Quando? As pessoas não irão reconhecer as espécies na sua forma mais pura, hoje muitos mal sabem diferenciar uma planta “melhorada” de um híbrido.
Esses padrões estabelecidos por nós sobre as orquídeas criou também um outro fenômeno, e infelizmente faz com que haja uma diferenciação entre os próprios orquidófilos, uma espécie de marginalização de colecionadores onde alguns poucos têm “plantas de qualidade” e a grande maioria não.
Pseudolaelia ataleiensis I Foto: Reginaldo Vasconcelos |
CLUBE DO ORQUIDÓFILO: Fale sobre suas palestras e sua dedicação à divulgação da orquidofilia. O que ainda pode ser feito a esse respeito?
REGINALDO VASCONCELOS: Reconheço minha missão como orquidófilo e disseminador do conhecimento, da importância do meu trabalho nos habitats naturais. Seria muito injusto que esse conhecimento que tenho formado esteja apenas sob o meu domínio. Quando esse conhecimento é transmitido, é como se uma cápsula orquídea se abrisse e suas sementes se espalhassem.
Creio que quanto mais as pessoas aprenderem sobe a família orquidácea, melhor elas vão cultivar e preservar. Sinto-me honrado em poder falar sobre aquilo que amo e faço o possível para aprimorar meu conhecimento e passá-lo da forma mais clara possível para as pessoas, transmitir da forma que eu sinto e percebo as plantas em seu ambiente natural.
CLUBE DO ORQUIDÓFILO: Qual a importância das instituições e associações orquidófilas em sua opinião? Existe algo que você considera que seria importante essas associações implementarem em suas atividades além das tradicionais reuniões e exposições?
REGINALDO VASCONCELOS: As entidades orquidófilas têm uma enorme importância em auxiliar os amantes das orquídeas na construção da cultura orquidófila e no convívio social entre os colecionadores, aqueles que gostam de orquídeas têm de se reunir, estar juntos para discutir, aprender e trabalhar por essa cultura. As associações orquidófilas são os espaços mais apropriados para discutir e aprender todos os assuntos ligados às orquídeas.
Vejo que muitas entidades têm se esforçado para oferecer aos seus frequentadores mais informações, mas o universo das orquídeas é praticamente infinito e se devem focar certos assuntos de interesse da maioria das pessoas e preparar boas aulas. Não aulas maçantes e com muitos termos técnicos, mas algo que seja de bom e fácil entendimento, se possível de forma lúdica. Uma das coisas que acho mais interessantes nas reuniões é quando associados levam suas plantas, mostram para os amigos e transmitem seus acertos e erros em uma troca de experiências muito rica.
CLUBE DO ORQUIDÓFILO: Ainda falando sobre as exposições realizadas em todo país, e mais especificamente sobre os critérios utilizados pela CAOB no julgamento das plantas expostas, existe algo que você acha que poderia ser modificado? Ou você considera que o julgamento de plantas como é feito atualmente seja satisfatório?
REGINALDO VASCONCELOS: Esse é um assunto muito complicado de se falar! Em minha opinião não vai existir premiação que agrade a todos ou um julgamento que seja realmente justo. Tenho a dizer que o julgamento nas exposições de orquídeas nem poderia ser chamados realmente de julgamento. O que normalmente ocorre é apenas uma comparação entre as plantas expostas e muitas vezes certas qualidades notórias e importantes são ignoradas. Já fiquei muito decepcionado com pódios onde prevaleceram o gosto pessoal dos juízes e o favoritismo por conta de amizade. Plantas sendo julgadas em categorias nas quais não se encaixam. Exemplo: Um híbrido sendo julgado como espécie e sendo premiado como tal. Aqueles que são responsáveis em julgar as orquídeas têm de entender muito sobre elas, em vários aspectos.
Infelizmente vejo pessoas que apenas cultivam orquídeas unicamente para levar às exposições e receber premiação, acho isso muito medíocre.
CLUBE DO ORQUIDÓFILO: Fale sobre seus planos para o futuro. O que vem pela frente? O que você considera que possa começar a ser feito hoje para garantir um futuro promissor para a orquidofilia no Brasil?
REGINALDO VASCONCELOS: Pretendo continuar fazendo o mesmo trabalho que faço e por meio do qual muitos me conhecem; visitar habitats, conhecer melhor nossas espécies na natureza e passar esse conhecimento para as pessoas. Espero que as boas novidades continuem surgindo e que haja o empenho de todos na preservação da natureza de um modo geral.
Desejo que a orquidofilia brasileira fique cada vez mais forte, que agregue mais pessoas que possam desfrutar do mundo mágico das orquídeas, do prazer de estarem reunidas para apreciar e aprender sobre elas. Que haja respeito, humildade e união. Agradeço ao André Merez pela consideração e por essa oportunidade.
Muito obrigado!
O Clube do Orquidófilo é quem agradece sua gentileza em nos conceder essa entrevista e deseja ainda muitas realizações em sua respeitável carreira na orquidofilia.
Muitíssimo obrigado.